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24 de Abril de 2024

Cidadão tem o direito de filmar abordagem policial

Publicado por Correção FGTS
há 7 anos

Sabe-se que a segurança é direito fundamental de todos os cidadãos (artigo 5º, caput da CF) e que a segurança pública consubstancia a um só tempo dever do Estado e direito e responsabilidade de todos (artigo 144 da CF). Daí ter o constituinte originário outorgado aos órgãos policiais as tarefas de prevenir (polícia administrativa) e reprimir (polícia judiciária) infrações penais.

No desempenho de suas funções, uma das principais atividades das forças de segurança é a abordagem policial, também denominada de busca pessoal.

Consubstancia-se na inspeção do corpo do indivíduo e sua esfera de custódia (vestimenta, pertence ou veículo não utilizado como habitação), com a finalidade de evitar a prática de infrações penais ou encontrar objeto de interesse à investigação [1].

Diferentemente da busca e apreensão domiciliar, a busca pessoal independe de mandado judicial e pode ser realizada a qualquer tempo. Deve ser feita em diferentes níveis conforme o grau de ameaça, seguindo o uso proporcional da força (desincentivando o uso de expressões pejorativas como dura e baculejo) [2].

Em razão da natureza de sua atividade (polícia administrativa) e da disponibilidade numérica (maior efetivo dentre as forças policiais), os policiais militares são os que mais fazem revistas diuturnamente nas vias públicas, na modalidade preventiva.

A abordagem policial é concretizada por um ato administrativo imperativo, autoexecutório e presumidamente legítimo. Traduz materialização do poder de polícia estatal (discricionário, autoexecutório e coercitivo) na limitação da liberdade ou propriedade em nome do interesse público [3]. Acarreta inegavelmente certo grau de constrangimento, que deve ser suportado pelo cidadão em nome da pacífica convivência em sociedade.

Evidentemente isso não significa que o policial possa agir com arbitrariedade. O poder de polícia do Estado é marcado pela proporcionalidade. Nesse contexto, salta aos olhos a importância da fiscalização. O controle é fundamental para dar legitimidade à atuação do poder público (inclusive das polícias), garantindo a adequação das condutas dos agentes públicos à franquia constitucional de liberdades.

Uma das principais formas de fiscalização é o chamado controle externo popular, por meio da qual qualquer pessoa pode, na qualidade de cidadão, questionar a legalidade de determinado ato e pugnar pela sua validade [4]. Assim se evita que o uso do poder se convole em abuso do poder, seja por excesso de poder ou desvio de finalidade (artigo da Lei 4.717/65).

Nesse sentido, a abordagem policial deve seguir o propósito definido em lei (prevenção ou investigação), com uso da força estritamente necessária (artigo 284 do CPP, artigo da Lei 13.060/14 e artigo 3º do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei – Resolução 34/169 da ONU).

Muitas vezes o cidadão (que por vezes é um repórter), ao presenciar uma abordagem policial, resolve registrar a atuação fotografando ou filmando (com câmera profissional ou um simples smartphone), como forma de fiscalizar a ação estatal, especialmente quanto ao uso da força.

Ocorre que em algumas situações [5] o policial militar, sentindo-se incomodado com a fiscalização sobre o seu trabalho, arrecada [6] o aparelho do indivíduo e o conduz para a delegacia de polícia, seja pela alegada prática dos crimes de desobediência e desacato, ou por supostamente ser uma testemunha obrigatória dos fatos. Trata-se de atuação equivocada do miliciano.

O cidadão pode perfeitamente fiscalizar a ação dos agentes públicos sem atrapalhar o desempenho da missão pública e sem alterar a cena do crime. Registrar à distância a busca pessoal em nada prejudica a abordagem policial. Evidentemente deve se identificar quando solicitado (artigo 68 da LCP), e eventual divulgação do material deve ser desacompanhada de ofensas aos envolvidos ou desacato aos policiais.

Quanto ao cidadão em geral, vale lembrar que o princípio da legalidade (artigo da CF) preconiza que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", e inexiste vedação legal para que uma pessoa registre fatos em vias públicas. Importante destacar que o postulado da legalidade surgiu com o Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de poder autoritário e antidemocrático, sendo previsto na própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão [7].

Caso o fiscalizador seja repórter, acrescente-se que a liberdade de imprensa (artigo 220 da CF)é importante direito fundamental que permite à população ter acesso amplo à informação e a melhor controlar os atos do Estado. Cuida-se de patrimônio imaterial, sendo irmã siamesa da democracia, devendo desfrutar de uma liberdade de atuação extremamente ampla [8].

Logo, não pratica qualquer delito aquele que registra fatos acobertados pela publicidade; o miliciano que restringe a liberdade do cidadão indevidamente é que pode incorrer em abuso de autoridade.

Além disso, o indivíduo não necessariamente deve figurar como testemunha pelo simples fato de ter registrado a abordagem policial. Isso só deve acontecer se inexistir outro indivíduo que tenha presenciado os fatos. De toda sorte, a decisão sobre sua oitiva e sobre a utilização do registro será tomada pelo delegado de polícia, e não pelo policial militar, que é um agente da autoridade policial. E mesmo que o cidadão seja chamado a narrar o acontecimento, inexiste motivo para apreensão do equipamento quando cópia do vídeo ou imagem puder ser extraída instantaneamente na delegacia. Essa observação ganha especial relevância quando se tratar de jornalista, que tem na sua câmera um instrumento de trabalho.

Não custa pontuar que a regra de proibição de depor como testemunha (artigo 207 do CPP) não se aplica a jornalista, pois o segredo que deve ser mantido por esse profissional é o da origem da informação (sigilo da fonte, ou seja, identidade do informante), e não da informação em si [9]. Entretanto, repita-se, só deve o repórter atuar como testemunha em casos estritamente necessários e nunca como forma de intimidação ou de cerceamento da profissão.

Portanto, o uso de câmeras não é proibido, pelo contrário, deve ser estimulado tanto pela população, pelos jornalistas e pelos próprios policiais, seguindo tendência mundial. Esse proceder melhora a atuação dos agentes da lei e também dos próprios suspeitos, que se sentem desestimulados a levar adiante reclamações improcedentes, como demonstra estudo [10]. É dizer, a filmagem não serve apenas para incriminar, mas também para demonstrar que a atuação firme da polícia seguiu os parâmetros legais [11].

Autores: Henrique Hoffmann e Eduardo Fontes

Fonte: Conjur

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26 Comentários

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Os bons policiais deveriam exigir câmeras para o trabalho. continuar lendo

O artigo parecia seguir um caminho legal, lógico e racional até esbarrar no quesito 'testemunha". A afirmação estapafúrdia de que o autor da filmagem só poderá ser arrolado se não houver outra testemunha jogou por água abaixo o elogio que poderia ser feito. Ao contrário desse contrassenso, quem filma deve ser arrolado como testemunha em primeiro lugar, tendo em vista que o sua oitiva será comprovada por imagens, sendo possível, assim, avaliar a partir de que momento presenciou os fatos, distância em que se encontrava, angulo de visão, comportamento adotado etc.
Outra contradição flagrante existente no artigo está na afirmação inicial de que o policial , agente da autoridade, não poderia conduzir o filmador para a delegacia e, logo após, é citado que compete ao delegado a decisão sobre a oitiva da testemunha. Ora, se o delegado se encontra na delegacia, essa decisão só poderá ser tomada se a testemunha for para lá conduzida.
É essencial não esquecer que não existe direito desacompanhado de dever e vice-versa. Todo e qualquer cidadão tem o direito de filmar a ação policial mas, em contrapartida, tem o dever de testemunhar acerca do fato que assistiu. Cabe ao policial conduzir a testemunha à delegacia onde ela irá cumprir o seu dever. continuar lendo

Concordo plenamente com vc, iria pontuar a mesma situação. Será que o autor acredita que todas as delegacias dos rincões do País possuem computador?
A filmagem é prova para para incriminar ou absolver os policiais, assim, se necessário for em razão da impossibilidade de captura das gravações, o aparelho deve ser apreendido. continuar lendo

Caros (as),

É sabido, basta para isto assistir a alguns vídeos no youtube, que é costume da polícia militar, por exemplo, "mandar" o condutor de motocicletas desligarem a câmera que está sobre o capacete, durante a abordagem policial.

Como os Srs (as) veem este cenário?

Está o policial dando uma ordem ilegal?
Se o motociclista, ainda que educadamente, se negar a desligá-la e o policial insistir na ordem, configura-se, então, um ato de abuso de autoridade?

Ficarei feliz em obter estas respostas.
Agradeço antecipadamente.

Eduardo Gomes
Estudante de Direito - 6 semestre. continuar lendo

Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei.....não estaria obrigado a desligar. continuar lendo

Deveria ser lei todos os policiais terem câmeras nos capacetes, chapeus, viaturas etc... continuar lendo

o problema é o custo das câmeras! Quem pagará? continuar lendo

Caro Edson,

Resposta é clara: Nós cidadãos que pagamos impostos. continuar lendo